sábado, 10 de janeiro de 2009

Natal da minha infância

Natal da minha infância



O frio incomodava. Os pés descalços a pouca roupa e uma saca em bico pela cabeça para proteger um pouco os cabelos que já se encontravam molhados, e brincávamos às escondidas, para não arrefecermos os corpos franzinos. Assim se comportavam as crianças da minha aldeia nos poucos dias que antecediam o Natal.
Quando nos sentávamos no átrio para apanhar uma réstia de sol, só se falava do Natal, não dos presentes pois esses não havia, mas das flores de azevinho e do musgo que tínhamos de apanhar no mato, e que era o motivo do nosso contentamento e alegria, a missa do galo, noite em que nos deitávamos tarde. A azáfama de fazer o presépio era um vai-e-vem, o presépio era lindo tinha água a correr,
musgo a sério com as figuras pitorescas , que era uma alegria ver.
A criançada com o ranho no nariz, mal agasalhados, e mal calçados, mas, estavam felizes.
O presépio era sempre feito por minhas tias mais novas, e a petizada trazia as verduras, pedras, e troncos. As figuras eram retiradas religiosamente do sótão, para ficarem expostas durante três semanas.

Na véspera do Natal a azáfama era grande. Íamos para casa de meus avós maternos, onde era feito o jantar com as couves e peixe seco, pois o bacalhau era caro.
Minha mãe junto com minha avó e tias faziam as filhoses lêvedas com abóbora e fatias douradas, arroz doce e aletria. Meu avô como estava muito frio e para que nos aquecêssemos, assava grão de bico e punha-nos nas mãos para ficarmos quentinhos a comer e contar histórias, junto à lareira.
Quando voltávamos para nossa casa já vinha tudo encavalitado no meu pai, um em cada braço outro às cavalitas e ainda outro ao colo, mortos de sono e exaustos da brincadeira, pois não havia o hábito de deitar tarde lá em casa.
Até que chegávamos ao grande dia!. De véspera já tínhamos deixado os sapatos velhos e rotos, mas bem limpinhos, junto à chaminé.
Dia de Natal bem cedo nos levantávamos, íamos acordar meu pai, que nos levava às cavalitas até à chaminé, para que pudéssemos ver o que o menino nos deixou, e o nosso espanto era tamanho, e a felicidade sem limites, pois os nossos sapatos
tinham uma bela boneca de trapos para cada uma de nós, eu e minha mana, os rapazes, meus dois irmãos, tinham uma bola de trapos , possivelmente feita pela bisavó Teresinha que era perita nesses feitos, três castanhinhas ( pois minha terra não é zona de castanheiros) e meia dúzia de rebuçados deliciosos,
e que nos deixavam no coração uma alegria imensa, pela grandeza dos bens recebidos.
De seguida, e como ninguém sofria de falta de apetite… tínhamos umas papas de milho bem quentinhas à espera para o pequeno almoço, e regadas com um doce delicioso chamado “arrôbe” feito de mosto (sumo de uva antes de esta fermentar), seguido dos doces da véspera, claro. Eram de facto os nossos acepipes, que ainda hoje fazem crescer água na boca de tão puros e bons que eram.
As roupas eram poucas, mas nem frio sentíamos, bem está o ditado popular “ … Deus dá o frio conforme a roupa…”, pois com tão pouco os nossos olhos transmitiam e sentiam alegria, saúde e muito, muito amor, em todos os Natais. Onde o dinheiro não existia, existia sim o calor humano.
Dezembro 2008

Margarida Simão

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