sábado, 6 de fevereiro de 2010

Memórias


Gostaria de ver um dia a transcrição no papel do que eu sentia e via nas minhas idas para a escola.
Na final da década de 50 do séc. Passado, as escolas eram longe da maioria das aldeias e as crianças que a frequentavam caminhavam alguns kilometros por montes e vales alheios a tudo o que os rodeava, Só pensavam na brincadeira que a caminhada lhes proporcionava.
Hoje passados 50 anos, tento refazer na minha mente a beleza da caminhada e quão feliz me sentia, com tudo o que existia à minha volta.
Lembro-me melhor da caminhada da escola para casa, do que de casa para a escola, possivelmente por estar mais frio da manhã e de ser mais difícil para as crianças a caminhada a essa hora.
Saída da escola à tarde, uma mala de madeira na mão, feita por meu pai, com os fechos a brilhar, e toda ela bem polida, marcava para mim a diferença entre as sacolas de serapilheira, e a minha mala de madeira.
O relevo do local é bem acentuado e seguíamos direcção a sul, do nosso lado direito, e vista é deslumbrante, temos ao longe um vale a que chamam a pedra do sino, e na linha do horizonte o azul de vários tons do belo atlântico que nos banhava.
Seguindo então para sul íamos passar junto à igreja velha, por carreiros estreitos a cortar caminho, de um lado tínhamos milho semeado do outro lado tremoço, de quando em vez seguíamos mesmo pelo meio das culturas pelo prazer que nos dava o contacto com as plantas e a terra, até o barulho que as plantas faziam ao passarmos nos encantava.
A seguir surgia-nos o sopé de um monte e onde corria um regato com a água mais cristalina que me lembro ter visto… Aí tirávamos os sapatos e a alegria era geral, pés dentro de água e paragem obrigatória para comer o resto do lanche, afim de termos forças para o resto da caminhada. Depois de extravasarmos as nossas emoções com as brincadeiras de crianças, colocávamos os sapatos às costas e lá seguíamos a caminhada, agora subindo um monte tínhamos um pinhal à nossa volta, é difícil descrever a paisagem de tão linda que é, lado direito a beleza do mar no horizonte, antecedendo-lhe uma vegetação intensa com um riacho de água pura no sopé, envolvendo-nos estavam os pinheiros com seu barulho característico, e terreno arenoso. Chegado ao cimo tínhamos outra panorâmica, já nos aparecia as primeiras casas de um pequeno local a que chamávamos ”Casais Netos”, porque a família que aí vivia tinha o apelido de “neto”, percorríamos todo o percurso sem se ver vivalma, a nossa cantoria, correria, gargalhadas, alegria acompanhava-nos todo o percurso.
Subíamos mais um pouco e passávamos por um moinho tradicional, onde nossos pais mandavam moer o grão, e o moleiro pai de uma das garotas que nos acompanhavam.
Junto ao moinho muitas vezes parávamos para fazer os trabalhos de casa, porque à noite não podia ser, deitávamo-nos cedo e não havia luz eléctrica. Junto ao moinho imperava o nosso silêncio para podermos ouvir o barulho das velas e das bilhas de barro pequenas presas nos panos das mesmas, faziam um assobio lindo que nos encantava, e adorávamos ouvir o moleiro com o seu burrito ao lado, contando as suas histórias de bruxas, que nos deixavam fascinadas mas cheias de medo.
Depois desta pausa, lá seguíamos cada uma para suas casas, o sol começava a baixar e não tardava era noite, se chegássemos mais tarde a apoquentação era geral, e seria a ultima coisa que pretendíamos era zangar nossos pais.
E em nossos sonhos voltavam as histórias ouvidas ao moleiro e aos mais idosos da aldeia.
06 Fevereiro de 2010
Margarida simão

4 comentários:

  1. Fiquei impressionado com a força de suas palavras, cada uma delas transmutando letras em imagens.

    LLEAL

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  2. Obrigada, é de tua sensibilidade.
    Grata.
    Guida

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  3. Ao viver as suas memórias, os quadros pintados com palavras, também revivi as minhas. Obrigado.

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  4. Obrigada por ter visitado o meu humilde blog e pelo seu comentário também desde já lhe digo que li todo o seu texto(Memorias) com atenção e gostei muito e também da imagem muita sensibilidade em todas as suas palavras os meus parabéns e um obrigado especial por poder-mos usufruir deste magnifico texto.Abraço Ricardo Costa

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