domingo, 17 de outubro de 2010

Se, se, se!...


Se podes conservar e teu bom senso e a calma,
Num mundo a delirar, p’ra quem o louco és tu;
Se podes crer em ti, com toda a força d’alma,
Quando ninguém te crê, se vais faminto e nu
Trilhando sem revolta um rumo solitário;
Se à torva intolerância, à negra incompreensão
Tu podes responder, subindo o teu calvário,
Com lágrimas de amor e bênção de perdão;


Se podes dizer bem de quem te calunia;
se dás ternura em troca aos que te dão rancor,
mas sem a resignação dum santo que oficia,
nem pretensões de sábio a dar lições de amor;
se podes esperar sem fatigar a esp’rança;
sonhar mas conservar-te acima do teu sonho;
fazer do pensamento um arco de aliança,
entre um clarão do inferno e a luz do céu risonho;


se podes encarar com indiferença igual,
o triunfo e a derrota – eternos impostores;
se podes ver o bem oculto em todo o mal
e resignar, sorrindo, o amor dos teus amores;
se podes resistir à raiva ou à vergonha
de ver envenenar as frases que disseste
e que um velhaco emprega, eivados de peçonha,
com falsas intenções que tu jamais lhes deste:


se és um homem para arriscar todos os teus haveres
num lance corajoso, alheio ao resultado
e, calando em ti mesmo a mágoa de perderes
voltas a palmilhar todo o caminho andando;
se podes ver por terra as obras que fizeste,
vaiadas por malsins, desorientando o povo,
e sem dizer palavra e sem um termo agreste
voltares ao principio, a construir de novo;


se quem conta contigo encontra mais do que conta;
se podes empregar os sessenta segundos
dum minuto que passa, em obra de tal monta;
que o minuto se espraie em séculos fecundos;
se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre
ou, vivendo entre os reis conservas a humildade;
se amigo ou inimigo, o poderoso e o pobre
são iguais para ti, à luz da eternidade;



então o ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos e os espaços;
Mas ainda p’ra além um novo sol rompeu
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos;
Pairando numa esfera acima deste plano
Sem recear jamais que os erros te retomem,
quando já nada houver em ti que seja humano,
alegra-te meu filho, então serás um homem.
Rudyard Kipling (1865/1936)

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